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segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Já gastamos as palavras pela rua ...









O sol madrugou cedo, tal como os nossos corpos se haviam habituado a estes dias vespertinos, era o dia do último adeus ao surpreendente e majestoso deserto que nos foi aproximando a cada grão de areia que por nós passava. Um último olhar pela janela para a cidade das rosas do deserto. A poeira levantada pelo Jeep (que de tanto uso já se consideraria ortopédico) deixava vislumbrar um caminho um pouco mais acidentado, um ar mais fresco, afinal estávamos finalmente a penetrar nos meandros do Atlas. Uma paragem no meio de uns rochedos, polvilhados de barraquinhas de “recuerdos” naquele planalto desolado, aparentemente o Atlas não recebia os seus convidados da melhor forma, até que o canto do olho repara naquele enorme buraco mesmo ali a uns metros dos nossos pés. Tamerza encheu-nos o espírito, dum pequeno fio de água naquela quase estéril terra formava-se uma pequena mas impressionante queda de água, que repousava numa lagoa que fluía por aquele mar de areia sabe Deus para que destinos. O Atlas não nos desapontaria, e com essa certeza guardada nos nossos peitos e nos cartões de memória da máquina fotográfica partimos…
A despedida do Sahara tinha de ser em grande, não nos podia decepcionar tinha de superar tudo aquilo que em poucos dias se consegue construir e que certamente o tempo não pode apagar. A estrada subia a cada metro cada vez mais tortuosa fazendo com que a imensidão deste deserto preenche-se a totalidade da nossa visão, dos nossos corações, que nos deixa a pensar como a ausência de tudo aquilo a que nos habituamos pode ser tão benéfica e do como quase nada se pode construir um quase tudo.
De cabeça ocupada nestas filosofias de sonhador compulsivo, nem dei pelo parar do Jeep entre uns quantos outros, mesmo de fronte a um enorme e maciço bloco de pedra cor de cobre. Não sabia onde estávamos, deixadas as recomendações de levar água e um par de ténis confortáveis e que nos viriam buscar dali por umas 2 horas. Havia algo por explorar. O caminho quase tão estreito pelos rochedos como o das cabras, contornava-os dando espaço ainda para uns vendedores que empunhavam pedras de quartzo e ametistas nas suas mãos. Nesse serpentear avistamos um riacho, uma palmeira, que se vão multiplicando à proporção dos nossos passos e se transformavam num luxuriante oásis de Montanha. A mandíbula desencaixou do maxilar, afinal o paraíso não fica nas Maldivas nem coisa assim, é ali mesmo no meio dos rochedos do deserto. Os riachos transformaram-se em quedas de águas ao longo da subida, das suas bacias repousavam lagoas de um azul tão intenso como o céu que as palmeiras quase cobriam e bem lá no alto contemplar toda esta beleza do nosso lado esquerdo e toda a imensidão do deserto do nosso lado direito surgiu como a catarse perfeita para tudo aquilo que havíamos vivido.
Na descida o Jeep esperávamos (hora de liga para o emprego e mandar 1 MMS para meter inveja) ainda nos aguardava a despedida das terras de Argel e o regresso ao ponto de partida seria feito de comboio, daquele a vapor cujo passo humano quase os consegue acompanhar. Passamos por túneis onde reinava o breu, paramos em locais daqueles que fazem lembrar as histórias bíblicas (o que não absteve de algumas mentes tirarem umas fotos à altura), uma paragem para meter carvão e muito, muito devagarinho chegamos ao destino. Era sexta-feira, o dia santo do Islamismo, estávamos na quarta cidade santa do Islão, o chamamento para a oração fluía pelo ar num tom quase ensurdecedor. Era o ponto final desta viagem, mas não o parágrafo travessão, ainda restavam três dias de praia e descanso. As despedidas foram duras, intensas polvilhadas por algumas lágrimas nos rostos dos nossos amigos espanhóis, este percurso havia terminado, o futuro havia sido lido nas palmas das nossas mãos, promessas de voltar ficaram no ar (e como promessa é dívida, uma já foi paga). Um último olhar para trás, um último adeus aos nossos amigos e o desejo de que tudo um dia seja tão profundo e intenso como aquilo que o Sahara nos proporcionou.